2 de novembro de 2015

A Reforma Protestante e o espírito dos batistas brasileiros

Introdução

Martin Lutero foi um monge agostiniano empenhado em agradar a Deus com todas as suas forças, a ponto de ter sua saúde afetada por causa das longas privações e penitências praticadas no mais severo mosteiro da época, o qual escolheu para preparar-se para o sacerdócio. “Eu me torturava até a morte para conseguir a paz com Deus”. Apesar disso, Lutero não conseguia a paz tão desejada e concluiu: “Deus é mau em si, é preciso atribuir a diabolicidade a Deus.”

A interpretação da Escritura, segundo a igreja, asseverava as boas obras como o modo pelo qual o homem deve agradar a Deus. Dado que o homem é imperfeito, era impossível que qualquer ação humana merecesse o favor e a graça divina. Por isso, a resposta à pergunta, como sei se fiz o bastante? era: “Faça ainda mais”.

Como professor de grego na Universidade de Wittenberg, Lutero encontrou a liberdade no texto da carta aos romanos. “Mas o justo viverá pela fé.” (Rm 1.17) Na interpretação da versão em latim, a língua oficial da igreja, entendia-se que se alguém quisesse viver (vida eterna com Deus) precisava demonstrar sua fé, sendo justo. Em outras palavras, fazendo boas obras. Mas, então, retoma-se a pergunta: “Como saber se fiz o bastante?”.

No texto grego, a língua original, Lutero encontra a real compreensão da mensagem paulina. Basta crer em Jesus como Senhor para ser justificado por Ele mesmo, porquanto não há nada que o homem possa fazer para ser salvo (viver). “Porque nele [Jesus] se descobre a justiça de Deus de fé em fé”.
Lutero passou a dedicar-se ao estudo das Escrituras nas suas línguas pátrias (grego e hebraico) confrontando os dogmas e interpretações da igreja. Uma tarefa nada fácil: “A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço.” Finalmente, decidiu traduzir a Bíblia direto dos textos originais, contribuindo para criação daquela que se tornaria língua alemã.

Direto do coração da reforma

Os batistas brasileiros possuem normas básicas de fé e conduta, os chamados princípios batistas. – “Princípio. Aquilo que regula o comportamento ou a ação de alguém; preceito moral.” – Estes princípios possuem muitos paralelos com a Reforma Protestante.

A AUTORIDADE

Solus Christus

Para Lutero, somente Cristo é o mediador entre Deus e o homem. Isso contrariava completamente a doutrina da igreja Católica, a qual afirmava que somente nela existe salvação para o homem, por se considerar a única igreja verdadeira, sucessora de Jesus por meio do apóstolo Pedro, o primeiro Papa.
Cristo como Senhor
Para os batistas, “A fonte suprema da autoridade cristã é o Senhor Jesus Cristo. Sua soberania emana da eterna divindade e poder – como o unigênito filho do Deus Supremo”. Como Lutero, os batistas creem na divindade de Jesus por ser filho de Deus Pai. Autoridade que remete a sua obra salvífica: “sua redenção vicária e ressurreição vitoriosa.”

Sola scriptura

Uma vez que Jesus não está mais entre nós, é preciso conhecer a sua vontade. Então, Lutero afirma que somente a Escritura é a única palavra autorizada por Deus por ser divinamente inspirada, novamente, contrariando a doutrina da igreja: “tudo o que está relacionado com a maneira de interpretar as Escrituras está sujeito ao julgamento da Igreja”. Ele sabia que isso poderia custar a sua vida, assim como de tantos outros antes dele, no entanto, Lutero afirmou:

“A Menos que eu seja convencido pela evidência das Escrituras ou por plena razão, – já que eu não aceito a autoridade do papa ou dos concílios sozinha, visto que, está claro, que eles frequentemente erraram e se contradisseram –, eu estou preso pelas Escrituras e a minha consciência está cativa a Palavra de Deus. Eu não posso e não vou reconsiderar, porque não é seguro nem é certo agir contra a consciência. Que Deus me ajude, amém.”

As Escrituras

Para os batistas brasileiros “a Bíblia fala com autoridade porque é a palavra de Deus. É a suprema regra de fé e prática porque é testemunha fidedigna e inspirada dos atos maravilhosos de Deus.” Tal qual postulado por Lutero, o modo de pensar e agir do cristão está fundamentado na Bíblia e não em qualquer instituição ou pessoa, por mais justas e corretas que sejam. Por isso, o cristão batista “tem que aceitar a responsabilidade de estudar a Bíblia, com a mente aberta e com atitude reverente, procurando o significado de sua mensagem através de pesquisa e oração”.

A VIDA CRISTÃ

Sola gratia

Estudando os originais, Lutero entendeu corretamente o sentido da epístola de Tiago e percebeu que não havia qualquer contradição com Efésios ou Gálatas do apóstolo Paulo. Ele teve certeza de que somente a graça pode salvar o homem porque Deus é o autor dessa graça, sendo impossível ao ser humano fazer qualquer coisa para alcançá-la.

A salvação pela graça

Para os batistas “A graça é a provisão misericordiosa de Deus para a condição do homem perdido.” Como Lutero, os batistas rompem com duas ideias: 1) a de que o homem pode fazer algo que o faça merecedor da graça e; 2) a de que exista alguma autoridade espiritual terrena que possa conferir a graça ao pecador. “A salvação não é o resultado dos méritos humanos, antes emana de propósito e iniciativa divinos. Não vem através de mediação sacramental, nem de treinamento moral, mas como resultado da misericórdia e poder divinos.”

Sola fide

Se, por um lado, a salvação vem pela graça e isso não depende do homem, por outro, a graça não invade a pessoa sem que ela permita. Lutero, entendendo o texto da carta aos romanos, afirma que somente a fé no Sacrifício de Jesus, como àquele que pagou por nossos pecados, pode se apropriar dessa graça. Em outras palavras, aceitar que Deus nos aceita apesar de nossas mazelas. Aceitar é crer no sacrifício do seu filho, Jesus.

Nos princípios batistas este postulado encontra-se no mesmo item da graça. “A salvação do pecado é a dádiva de Deus através de Jesus Cristo, condicionada, apenas, pelo arrependimento em relação a Deus, pela fé em Jesus Cristo, e pela entrega incondicional a Ele como Senhor.”

Soli Deo gloria

Considerando a obra do Pai, pelo Filho e a ação do Espírito Santo para salvação do pecador, Lutero conclui que somente Deus é merecedor de toda glória, negando visceralmente com a tradição da igreja, seus líderes e seus antepassados, de merecerem qualquer glória, ainda que tenham morrido pelo Evangelho.

Nos princípios batistas não existe paralelo a esta sola de Lutero. A glória de Deus só é citada quando trata da mordomia cristã.

A NOSSA TAREFA CONTÍNUA

Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est

Finalmente, outros reformadores influenciaram os princípios batistas. Gisbertus Voetius postula que “A Igreja é reformada e está sempre se reformando.” Este conceito é muitas vezes mal compreendido.

“Só para ilustrar, ‘Sempre Reformanda’ é o nome de uma organização religiosa nos Estados Unidos, que defende a inclusão de gays e lésbicas no ministério pastoral e o casamento homossexual.”

O que Voetius propôs foi voltar a Escritura permitindo, assim, uma nova iluminação do texto bíblico. Ou seja, voltar a Escritura para que a igreja seja cada vez melhor.

A autocrítica

A herança de Voetius chega aos batistas como o último princípio da lista.  Este princípio preocupa-se em garantir que tudo o que é feito como denominação batista pode e deve ser avaliado e reavaliado, claro, à luz da Escritura.

“Tanto a igreja local quanto a denominação, a fim de permanecerem sadias e florescentes, têm que aceitar a responsabilidade da autocrítica. Seria prejudicial às igrejas e à denominação se fosse negado ao indivíduo o direito de discordar, ou se fossem considerados nossos métodos ou técnicas como finais ou perfeitos.”

Assim como Voetius percebeu, a igreja institucionalizada, tende, com o tempo, a se cristalizar ou dogmatizar. “O trabalho de nossas igrejas e de nossa denominação precisa de frequente avaliação, a fim de evitar a esterilidade do tradicionalismo.” Todo cristão batista deve contribuir para o “desenvolvimento à maturidade cristã, tanto para o indivíduo quanto para a denominação ... e  aceitar a responsabilidade da autocrítica construtiva.”

Conclusão

A Reforma Protestante deixou um grande legado para os batistas brasileiros. Conhecer os valores da Reforma e os princípios batistas, não significa fossilizar a igreja, mas, ao contrário, respirar o mais puro ar reformador do século XVI, percebendo pessoas que não aceitavam uma igreja que se fechava em dogmas e doutrinas, nem num clero sentado no trono de Deus como se de fato o fossem. As solas e princípios entregam na mão de cada cristão a responsabilidade por sua própria vida cristã, baseada na fé, na graça e na soberania de Jesus segundo a Palavra de Deus. A Reforma não se conforma, antes, questiona tudo a sua volta para o crescimento daquele que é chamado o corpo de Cristo.


Referências:

http://tempora-mores.blogspot.com.br/2006_04_01_archive.html
http://www.mensagenscomamor.com/frases-de-famosos/frases_martinho_lutero.htm
http://comandodafe.blogspot.com/2015/08/martinho-lutero-15201750-o-anjo-da.html
http://www.igrejaapedraangular.com.br/estudos/Votos.pdf
http://www.apalavraoriginal.org.br/mensprof/1960-12-09.pdf http://www.luteranos.com.br/site/conteudo_organizacao/confessionalidade-luteranos-em-contexto/martim-lutero-palavras
http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=16&showall=1
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_I__1996__2/lutero_ainda.....pdf

Um comentário:

  1. Comento: Já ouvi alguns colegas, pastores Baptistas, afirmarem que a denominação Batista NÃO É PROTESTANTE.Lamentam inclusive que os batistas foram perseguidos pelos protestantes. Levando em consideração, esses cinco pontos da reforma, "Solas e solus", levando em consideração também, que a denominação Batista foi instituída, oficialmente depois da reforma protestante, podemos aceitar que a denominação Batista é uma das denominações surgidas da reforma protestante. Somos protestantes porque protestamos contra a idolatria e autoritarismo da Igreja católica Romana.

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