Cena 1: Atos 17.1-9
Ao chegarem a Tessalônica Paulo e Silas fazem o habitual, vão à sinagoga. Por três sábados Paulo explica e comprova: “Este Jesus que vos anuncio é o Messias!” (v. 3)
Resultado 1: “alguns dos judeus foram convencidos e se uniram a Paulo e Silas, bem como uma multidão de
gregos obedientes a Deus e diversas senhoras da alta sociedade local.” (v. 4)
Resultado 2: Com “forte inveja” os líderes judeus reuniram homens perversos dentre os desocupados para causar um tumulto na cidade, e ainda, acusaram Paulo e Silas diante dos governantes: “Estes que têm causado alvoroço em todo o mundo, agora chegaram também aqui.” (v. 6)
Cena 2: Atos 17.10-16
Paulo e Silas vão para Berea e fazem a mesma coisa, vão à sinagoga anunciar o Messias.
Resultado 1: Os bereanos dedicaram-se a estudar a Escritura para verificar se o que Paulo dizia “correspondia à verdade.” (v. 11)
Resultado 2: Muitos judeus, gregos e mulheres da alta sociedade creram em Jesus. (v. 12)
Resultado 3: Os líderes judeus de Tessalônica foram imediatamente à Berea, cerca de 102km de distância por rodovia, para causar confusão na cidade. (v. 13)
Por um lado, é fácil entender a narrativa, por outro, alguns elementos ajudam na compreensão do significado mais profundo do texto. Vide vocabulário abaixo.
Baderneiros
A inveja nunca dá bons frutos.
1) Rejeição. Paulo provou pela Escritura a verdade sobre o Messias. Diante dela, uns aceitaram, outros rejeitaram. Paulo esteve com eles por três sábados, tempo suficiente para que a Escritura fosse examinada e, se estivesse errada, fosse contestada. Eles sabiam que não estava porque Paulo provou, pela Escritura, que Jesus era o Messias. Portanto, aqueles líderes rejeitaram a Escritura, a Verdade e o Messias, e não a Paulo e Silas.
2) Perseguição. Não podendo refutar a Escritura, decidiram perseguir seus pregadores, Paulo e Silas. Talvez seja essa uma das tantas perseguições que Paulo fala em 2Co 11.
3) Abuso. Usando de uma autoridade que tinham (religiosa) invadiram a casa de Jasom com uma autoridade que não tinham (policial). (v. 5)
4) Insanidade. A palavra inveja, no original, é “forte inveja”. Tal sentimento levou os líderes da religião judaica (a religião de Deus) a se associarem com as piores pessoas da cidade, por mais incrível que isso possa parecer. Uma associação impensável: Juntar religiosos com maus-caracteres. Naquela época muitas pessoas trabalhavam por um salário diário (os diaristas dos nossos dias). Mas os religiosos contrataram justamente aqueles que estariam dispostos a fazer um “trabalho sujo”.
5) Mentira. Os defensores da verdade divina descumpriram o mandamento de Deus: “Não darás falso testemunho contra o teu próximo.” (Êx 20.16) Mentiram intencionalmente acerca de Paulo e Silas aos magistrados romanos. Também na condenação de Jesus, um grupo de líderes religiosos mentiu acusando Jesus perante Pilatos, o governador da Judéia: “Encontramos este homem subvertendo a nossa nação. Inclusive, proibindo o pagamento de impostos a César e se dizendo o Messias, o Rei!” (Lc 23.2)
6) Covardia. Fraudulentamente colocaram pessoas simples (os servos de Deus) contra as autoridades do governo romano: “eles estão agindo contra os decretos de César, proclamando que existe um outro rei, chamado Jesus!” Assim como a atitude de Pilatos foi de tentar libertar Jesus, em Lucas 23, a atitude dos magistrados (não crentes) foi favorável aos inocentes: “libertaram Jasom e os demais irmãos ... ” (v. 9a)
7) Prejuízo ao reino de Deus. A justiça feita a Jasom teve um preço. Eles foram libertos “ ... após o pagamento da fiança estipulada.” (v. 9b)
Bereanos
Com frequência ouvimos a expressão, sou bereano! Bereano tornou-se um adjetivo, um sinônimo de virtude atribuída ao cristão atento à leitura da Bíblia. Ou seja, aquele que sempre investiga se o que está sendo exposto está de acordo com a Escritura.
Em primeiro lugar, ser leitor atento da Bíblia é de fato uma virtude, – quanto mais nestes tempos em que ela é mal lida ou negligenciada –, no entanto, Tiago vai além: “Sede praticantes da Palavra e não simplesmente ouvintes, iludindo a vós mesmos.” (Tg 1.22) Ler a Bíblia não é a maior das virtudes e conhecê-la também não, principalmente se considerarmos que o Diabo usou a Escritura para tentar o Filho de Deus.
Em segundo lugar, os líderes de Tessalônica, perseguidores de Paulo e Silas, examinavam atentamente a Escritura. Eles eram líderes da religião judaica e a ensinavam na sinagoga, onde haviam muitos prosélitos (os gregos). Tanto examinavam que não puderam confrontar Paulo. A Escritura era de conhecimento de todos, por isso várias pessoas foram convencidas, pela Palavra, que Jesus era o Messias. Portanto, não havia falta de conhecimento ou exame das Escrituras em nenhuma das duas cidades.
Em terceiro lugar, os bereanos não eram deslumbrados com a eloquência de Paulo (como também não o foram os de Tessalônica). A mensagem recebida no sábado foi “ruminada” todos os dias da semana: “dedicaram-se ao estudo diário das Escrituras”.
Por último, eles avaliaram se tudo era mesmo verdade (assim como fizeram os moradores de Tessalônica).
Logo, a virtude dos moradores de Berea consistia em sua mente “mais nobre”. Havia genuíno interesse pela Palavra de Deus a qual recebiam com “vívido interesse”. Ora, só se interessa por algo quem está, de algum modo, comprometido com esse “algo”. Os bereanos queriam conhecer a Escritura para viver segundo Ela e não apenas saber por saber, muito menos intentaram rejeitar a Verdade da Escritura. Por isso, a reação dos homens de Berea foi oposta a dos líderes da cidade vizinha.
Por um lado, examinavam atentamente o que era pregado para não serem levados por qualquer vento de doutrina. Por outro, estavam dispostos a abrir mão da tradição, dos conceitos e pré-conceitos religiosos, e, de toda e qualquer liderança que tivessem em prol da Verdade da Escritura. Para aqueles homens não importava se quem estava pregando era o rabino mais sábio de Jerusalém, o apóstolo Paulo ou qualquer iletrado. Se a Verdade os confrontasse mudariam de procedimento submetendo-se a Palavra de Deus. Nisso consistia a nobreza dos cristãos de Berea. Para os homens da cidade de Berea a Escritura era “a suprema regra de fé e prática”.
Mas a inveja é incansável em fazer o mal. Como os bereanos não se opuseram a verdade apresentada por Paulo e Silas, os religiosos tomaram uma atitude: “.. quando os líderes judeus de Tessalônica tomaram conhecimento que Paulo estava ensinando a Palavra de Deus em Berea, rumaram imediatamente para lá,
agitando e instigando a população.” (v. 13)
Definitivamente a inveja é destrutiva em todos os sentidos.
Nos dois casos, Paulo não refutou, reagiu ou defendeu-se das acusações mentirosas. Ao ser perseguido, não criou confusão nas cidades onde passou, antes partiu para outro lugar e continuou anunciando que Jesus é o Messias. E, para isso, usava tão somente a Escritura.
Sola scriptura.
Conclusões
Diante da Verdade ninguém fica imparcial. Ou rejeita ou aceita. Quem não se submete a Escritura a persegue, se rebela e nega a soberania do Senhor sobre a sua vida.
Conhecer a Escritura não torna ninguém melhor. Dependendo da intenção do coração pode, até, levar a práticas ruins e impensáveis.
A Verdade sempre é bíblica. Anunciar o Evangelho nunca pode prescindir da Escritura. Assim faziam Paulo e Silas.
Ser cristão não é e nunca foi sinônimo de “alvoroçador” (arruaceiro, baderneiro). Embora na língua portuguesa alvoroço possa assumir um valor positivo, e até de virtude, o texto de Atos 17, não confirma isso.
O cristão chamado bereano examina atentamente a Palavra com coração nobre, ou seja, disposto a moldar a sua vida a vontade do Senhor Jesus. Por isso, tem compromisso com a Escritura a fim de conhecer o propósito de Deus para sua vida.
Finalmente, o que se chama bereano, deve ser um leitor atento da Escritura para não ser levado por um discurso bem elaborado, de quem quer que seja, e acabar fazendo ou repetindo o que não agrada a Deus e não é bíblico.
Bereano, sim, baderneiro, nunca!
Vocabulário.
1 – Desocupados (
agoraio). a) mascates, pequenos comerciante, distribuidores varejistas; b) vadios, ociosos, o povo simples, humilde, povo pobre.
2 – Perversos (
poneros). Mau, de natureza ou condição má. a) num sentido físico: doença ou cegueira; b) num sentido ético: mau, ruim, iníquo.
3 – Alvoroçar (
anastatoo). Agitar, excitar, perturbar. a) incitar tumultos e sedições no estado; b) inquietar ou perturbar pela disseminação de erros religiosos.
4 – Nobre (
eugenes). 1) bem nascido, de família nobre; 2) de mente nobre.
Texto em homenagem a todos os bereanos submissos a Escritura e dedicados ao estudo “com o propósito de avaliar se tudo correspondia à verdade.”
Referência bíblica:
BJK