24 de outubro de 2018

A mentalidade da igreja evangélica e o flerte com o autoritarismo

Uma breve reflexão de suas contradições e paradoxos

Por: Professor Eduardo Filho

Diante do cenário político-eleitoral recente, em especial em relação ao pleito presidencial nos 1º e 2º turnos, causou-me espécie o flerte com que grande parte das lideranças religiosas do espectro evangélico tem tido com uma visão de mundo de caráter autoritário, elitista e conservador.

Em verdade, tal comportamento não é uma novidade. A história demonstra alguns exemplos da proximidade dos segmentos evangélicos e/ou protestantes no mundo ocidental com os políticos autoritários e ditatoriais, sobretudo, os de cunho mais à direita. A exceção, é claro, na história recente, foram as experiências dos evangélicos e cristãos no mundo socialista e comunista. Ali em grande parte foram perseguidos e humilhados em decorrência dos princípios que professavam.

Sofreram, de fato, as agruras do autoritarismo e da intolerância. No quadro político nacional, talvez, tal fato pareça justificar que parcelas das lideranças evangélicas brasileiras apoiem as propostas nem um pouco coadunadas com os princípios democráticos e civilizatórios. Será que em nome de valores morais próprios, anularemos princípios humanitários e democráticos pertencentes ao todo social? Aliás, o embate atual no sentido moral e político tem sido entre a barbárie e a civilização, entre a aniquilação do outro e o respeito à dignidade intrínseca que cada indivíduo deve ter.

Contradições à parte, inerentes à própria condição humana e aos contextos históricos em que os fatos ocorreram, o que dizer do silêncio e do apoio de lideranças protestantes e católicas ao longo do período nazista na perseguição aos judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, comunistas e socialistas e demais dissidentes? O que dizer do apoio de lideranças religiosas protestantes racistas do Sul dos EUA à política segregacionista?

Dietrich Bonhoeffer
Depois, nos perguntamos por que o evangelho “morreu” na Europa e no chamado mundo desenvolvido? Ora, os corações e mentes dos europeus têm ficado endurecidos a qualquer proposta de mundo religiosa – salvacionista ou não – de certo modo em decorrência dos “belos exemplos” que as lideranças deram ao se aliarem ao que há de mais torpe no desrespeito à condição humana. Não tenhamos dúvida, que em ambos os casos o terror foi promovido por cristãos confessionais ou culturais. Evidentemente que para cada generalização, há honrosas exceções, vide os testemunhos de Dietrich Bonhoeffer, religioso luterano contrário ao nazismo e Martin Luther King, pastor batista, ambos mortos por um ideal integralmente próximo ao que o Cristo que professaram os ensinou. Acrescente-se também aos inúmeros relatos de gente comum, gente como a gente, que não se rendeu ao ódio, ao preconceito e à intolerância.

Agora, no atual cenário brasileiro, em pleno século XXI, parece ser a nossa vez, digo dos evangélicos brasileiros, ao que também me incluo, no sentido de não corresponder ao que entendo, Cristo exige de cada um de nós. O apoio de significativa parcela das lideranças evangélicas e das massas que são por elas comandadas decorre, de um lado, da ignorância e do desconhecimento. Meu Deus, que falta faz um ensino de qualidade e crítico? De outro lado, esse apoio parece decorrer da concordância em assuntos de ordem moral e religiosa, como a questão do aborto, da compreensão do significado do que é família, e dos indivíduos que se autoproclamam como “homens de bem”.

Os casos históricos citados acima – que eu chamo de práticas religiosas e morais do terror – macularam o cristianismo naquelas realidades, o que tem se reverberado até os dias atuais. E, nós, aqui no Brasil? Que imagem as gerações futuras terão dos cristãos que apoiaram toda sorte de preconceito e de discriminação, reverenciando uma verdadeira cultura da morte, morte física e social, como diria o sociólogo Betinho, aos acometidos pelas consequências da AIDS em meados dos anos 80 e 90 do século passado.

Caríssimos, há uma dissonância significativa entre condenar a prática do aborto por questões morais e religiosas e dizer que “bandido bom é bandido morto”, há uma incompatibilidade em preservar a família cristã e ser indiferente a morte física e social da gente pobre e de toda a sorte de oprimidos. O relativismo moral que tanto os púlpitos condenam, parece ter encontrado terreno fértil em nossas paragens. Uma combinação perfeita entre fundamentalismo irmanada ao relativismo parece estar ganhando fôlego. Obviamente que ambos os valores são manipulados conforme as conveniências ideológicas, religiosas e políticas de cada grupo. Para melhor entendermos, considero que a Declaração Universal dos Direitos do Homem é um documento muito próximo com que me parece Cristo exige de cada um de nós.

Acredito, sim, até em uma igreja perseguida em função da defesa dos valores cristãos, mas jamais em uma igreja perseguidora e tirânica. Temos que dar vivas à vida e um não à cultura da morte. A história demonstra que teremos um preço a pagar. Saibamos fazer uso de um recurso racional e solidário em relação ao próximo, porque me parece, salvo engano, foi isso que Deus, por meio do seu Filho, nos ensinou.

Professor José Eduardo Pereira Filho – Sociólogo, Cristão-Batista

Gratidão: Ter a honra de publicar o post do meu amigo Eduardo no meu blog é um valor inestimável

Um comentário:

  1. Texto brilhante deste cristão que compreendeu a verdadeira situação em que a democracia está neste momento e, como cristão, registra brilhantemente uma auto-crítica. Como o José Eduardo, existem ainda muitos cristãos que não se deixaram levar pelo discurso camuflado nas igrejas evangélicas.

    Anderson Ladislau

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