2 de junho de 2014

Discipulado em família, o papel dos avós

Na vida em família é natural que os pais sonhem com o melhor para seus filhos. Os pais cristãos desejam ardentemente que seus filhos tenham uma fé genuína em Jesus. Em outras palavras, desejam que os filhos possam gozar da mesma felicidade, mesma paz, mesma graça e mesma certeza de vida eterna que eles têm. Mas de quem é a responsabilidade de levar os filhos aos pés de Cristo? Dos pais, naturalmente.

Gravem estas minhas palavras no coração e na mente; amarrem-nas como símbolos nas mãos e prendam-nas na testa. Ensinem-nas a seus filhos, conversando a respeito delas quando estiverem sentados em casa e quando estiverem andando pelo caminho, quando se deitarem e quando se levantarem” (Dt 11,18-19 - NVI).

O problema é o tempo. Nossa sociedade parece viver a maior falta de tempo da história. Falta tempo para estar juntos em família. Falta tempo para compartilhar de Jesus. Falta tempo! Por isso, muitos acabam transferindo à igreja local e ao pastor a responsabilidade de fazer dos filhos discípulos de Cristo. Mas será que as dificuldades e desafios de hoje justificam essa terceirização da fé em Jesus? Qual o papel dos pais neste processo de discipulado? E qual a participação dos avós neste contexto?

Discípulo? O que é isso? Segundo a concordância de James Strong “Discípulo (mathetes): 1) um aluno; um discípulo, um seguidor de Cristo que aprende as doutrinas da Escritura e o estilo de vida de que necessita; 2) alguém catequizado com instrução adequada da Bíblia com acompanhamento necessário através de aplicações (de vida)”.

Recordo-me da sua fé não fingida, que primeiro habitou em sua avó Lóide e em sua mãe Eunice, e estou convencido de que também habita em você.” (2 Tm 1,5)

Timóteo vivia com mãe em Listra, fora das terras de Israel e a muitos quilômetros de Jerusalém. Além disso, teve dificuldades na sua formação por causa de seu pai grego (At 16,1). Ora, uma fé não fingida, ou autêntica, baseia-se nas experiências vividas com o Senhor. Discipular, o ato de fazer discípulos, não tem a ver com conhecimento de grego e hebraico, não tem a ver com ler dezenas de livros sobre o assunto, não tem a ver com métodos ou fórmulas. Elas podem contribuir, mas não são fundamentais. Discipular tem a ver com compartilhar essas experiências (no plural) de modo a levar outros a terem vida plena em Deus.

Eunice superou todas as dificuldades e encontrou um modo de transmitir ao filho aquilo que aprendeu de sua mãe e também o que viveu, ela mesma, com o Senhor. Isto é, Eunice fez de seu filho um discípulo. E que discípulo! Entre os jovens daquela região Timóteo foi o escolhido pelo apóstolo Paulo para caminhar com ele (At 16,3). Foi escolhido porque os irmãos davam bom testemunho do rapaz, tanto em Listra como em Ícono (At 16,2). Mas ao que parece não estava só na sua tarefa.

O que chama a atenção no texto de Paulo é a citação ao nome da avó de Timóteo, Lóide. Ao considerarmos que a fé não fingida “primeiro habitou em sua avó Lóide”, podemos pensar que sua avó teve participação ativa no processo de discipulado do neto. O exemplo de Timóteo mostra que não foram os tratados teológicos, os muitos livros ou os altos conhecimentos intelectivos que o levaram a desenvolver sua fé. Ela nasceu, cresceu e se desenvolveu dentro de casa nos momentos vividos entre mãe e filho, entre avó e neto. A mesma fé que habitava nelas, afirma o apóstolo “...estou convencido de que também habita em você”.

Como cristãos precisamos pensar nas experiências com Deus que temos deixado de compartilhar com nossos filhos e netos. Talvez no afã de “poupá-los” das dificuldades vividas por causa das escolhas que fazemos ao lado de Cristo, acabamos por não compartilhar, com quem tanto amamos, o conhecimento do Deus vivo que agiu e continua agindo na história. Nesses dias apressados que vivemos até achamos algum tempo para estar juntos em família, mas para falar de outras coisas, talvez mais “agradáveis” ao coração. Quando, na verdade, o que aquece de fato o coração é saber/viver um relacionamento íntimo com Deus. Isso é discipulado, vida na vida. Ou como diz o título do livro de Howard Hendricks “Ensinando para transformar vidas” (recomendo fortemente a leitura).

O Novo Testamento está repleto de exemplos de vidas transformando vidas. Jesus transformou a vida de seus discípulos compartilhando com eles as experiências vividas com o Pai, bem como os comissionou a fazerem o mesmo, ensinar a outros “a guardar todas as coisas” (Mt 28,20). Em Jerusalém o comportamento exemplar dos crentes fazia com que caíssem na graça do povo e assim “todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar” (Atos 2,47). Em Antioquia, cuja fama chegou até Jerusalém, os discípulos eram tão parecidos com o Mestre que “foram pela primeira vez chamados cristãos” – ou xingados de cristinhos. (Atos 11,26).

Portanto, é responsabilidade dos pais levar nossos filhos aos pés de Cristo. Incentivá-los a viver as suas próprias experiências com Deus. Conduzi-los ao crescimento na graça do Pai. Incentivá-los a confiar no Senhor desenvolvendo uma fé autêntica. Mostrar-lhes, pelos próprios exemplos, que a verdadeira adoração não depende de nenhum local em particular, seja um monte em Samaria, seja um templo em Jerusalém, seja em Listra, seja na igreja local. Por outro lado, os avós devem cooperar com a família neste propósito, como nos mostra o exemplo de Timóteo.

Talvez a pergunta não seja “de quem é a responsabilidade?”, talvez sejam outras. O que temos experimentado de Deus em nossas vidas? Qual o nosso grau de dependência, confiança e obediência ao Senhor? O que temos a oferecido a nossos filhos/netos para que eles se sintam motivados e encorajados a também depender, confiar e obedecer a Deus? O apóstolo Paulo lapidou o diamante que já existia no futuro pastor da igreja de Éfeso. Quantos “Timóteos” estão por aí carecendo de mães como Eunice e avós como Lóide. Mulheres que a despeito de todas as dificuldades de gênero, geografia ou de relacionamentos pessoais souberam fazer de Timóteo um legítimo discípulo de Jesus.

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