O PRIMEIRO ENCONTRO
Aquela era uma semana de muita expectativa. Um por um nos apresentávamos para cada professor que iniciava sua aula e ficávamos atentos ao que eles tinham a nos dizer. Palavras de incentivo, alerta e palavras de desafios. Fazer teologia: um sonho ou um desafio? Mas quando ele se apresentou chamou minha atenção.
Não falo dos cabelos grisalhos, do jeito calmo ou das palavras acolhedoras, falo da voz. Uma voz tão baixinha e quase inaudível. Lembro bem do que ele nos disse, mas pensava comigo: como ele pode dar aula falando abaixo do tom da fala?
Naquele semestre quase que ele passou despercebido, mas, ao final, descobri algo de diferente naquele professor em particular.
O PROFESSOR E O EDUCADOR
No primeiro semestre não fui tão bem nas aulas de português (só um pouco acima da média), entretanto ao entregar minha última avaliação ele me disse: “Oh! você não foi tão bem nesta, mas vou te dar um voto de confiança. Espero que você ...”. Ele era assim, às vezes não terminava as frases (nem precisava). Refleti em suas palavras durante o recesso de julho de 2009 e comecei a entender o que estava acontecendo.
O professor Adalberto não era tão somente um professor, era um educador. Um professor preocupa-se em ensinar a matéria enquanto um educador preocupa-se em ensinar a vida. E como ele vibrava com os devocionais em nossas aulas de leitura. Ele nos corrigia com elegância e, principalmente, respeito; muito respeito.
Sabia que existia a avaliação dos alunos a cada final de semestre, mas isso não era o bastante. Ele queria ouvir a nossa opinião. E cá para nós, ele nos ouvia mesmo, não fingia que escutava. Como costumava dizer: “Vocês vão viver da palavra e o meu papel é ajudar”.
Terminou o segundo semestre e eu melhorei, mas não o bastante e nós sabíamos disso. Então ele fez ainda mais por mim: “Eu não tenho tempo pra nada, mas para você e para Priscila (nossa colega de classe) eu sempre arranjo tempo”.
O segundo semestre tinha sido confuso, mas naquele dia fiz-lhe uma promessa: “No próximo semestre não vou desapontá-lo, o senhor verá”. Ele não disse nada, só nos entreolhamos. Nascia ali uma bela amizade.
O AMIGO
De todos os semestres, o terceiro foi de longe o pior da minha vida acadêmica (foi ruim para todos nós), mas cumpri minha promessa. Fiquei pendurado em quase todo mundo, fui para reconstrução (segunda época) em quatro disciplinas. Mas eu não podia falhar com o professor, não podia decepcionar o educador e não poderia desonrar o amigo.
Eu fiz tudo o que foi combinado; fiz antes, fiz primeiro, fiz com alegria. As aulas do professor Adalberto foram umas das poucas coisas boas do terceiro período.
Eu poderia contar várias histórias: sobre as pessoas a quem ajudou, as coisas que fez, o que construiu, mas prefiro guardá-las comigo, quem sabe para um livro de memórias.
No dia vinte de julho comemoramos o dia do amigo. A data não era importante para mim até o dia que não me despedi de meu amigo Joed. Neste ano de 2010 faz um ano que ele partiu para Portugal. É, mas a vida haveria de me surpreender mais uma vez!
SEM DESPEDIDAS
Numa quarta-feira o professor do primeiro horário não veio e todos se perguntavam: será que o Adalberto vem? Então eu disse cheio de confiança: Adalberto é Adalberto, ele virá!
Enquanto esperávamos no corredor ele chegou, mais cedo como sempre, e lhe falamos do que conversávamos, foi quando eu o ouvi dizer: “São trinta e um anos, dez meses e ... alguns dias de trabalho e eu nunca faltei e nunca cheguei atrasado”. E continuou: “Não falto porque acho um desrespeito com meus alunos. Tem gente que vem de longe e eu não acho justo com vocês”.
Confesso que fiquei espantado e, enquanto aguardávamos o início da aula, convidei-o, e aos meus colegas, para um café em minha casa. O que eu não sabia é que aquele seria também o último.
Neste julho de 2010 descobri que dentre os professores que foram cortados estava o professor Adalberto Alves de Sousa. Professor titular da cadeira de português. Nunca faltou, nunca chegou atrasado. Já sabíamos da imposição dos cortes de professores (também por isso o semestre foi tão tenso), sabíamos que os mestrados e doutorados tinham a “preferência”, sabíamos também que bons professores teriam que sair. Assim como bons professores ficaram conosco, mas para mim a perda foi ainda maior e outra vez não pude me despedir de um amigo.
Estou começando a não gostar do mês de julho. Tenho poucos amigos e os poucos que tenho se vão sempre nos meses de julho.
SEM HOMENAGENS
Sei que foi muito bom para ele sair agora, afinal merecia um o justo descanso da aposentadoria já conquistada. Foi uma vida inteira de trabalho, muito trabalho. Uma infinidade de revisões livros, monografias, resenhas e textos que leu e corrigiu. Literalmente ele construiu sua vida sobre as palavras. Com palavras, educou suas filhas, conquistou seu espaço e transformou muita gente. Quantos pastores, professores e líderes nestes trinta e dois anos?
Alegro-me com meu amigo Adalberto e seu merecido descanso. Entretanto confesso que esperava mais. Com sua história de lutas, de fidelidade a Deus e aos homens, com sua dedicação para além das paredes da sala de aula, ele bem que merecia uma homenagem. Uma justa homenagem, diga-se de passagem. Mas nem uma “plaquinha” se quer? Para alguém que viveu pelo “prazer da palavra” ele bem merecia muitas palavras de gratidão.
No dia primeiro de agosto de 2010 ele terminou seu compromisso com o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, exatamente no mesmo dia e mês em que começou seu ministério. E lá se vão não mais trinta e um anos, mas trinta e dois anos exatos de trabalho e dedicação... Sem NUNCA FALTAR E NUNCA CHEGAR ATRASADO!
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