O perdão pressupõe ofensa e, nesta história, Jesus não foi ofendido ou ofereceu acusação contra aquela mulher. Veja: “E, endireitando-se Jesus ... disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? ... Nem eu também te condeno;” (João 8,10-11).
Ora, os acusadores eram os escribas e fariseus (v. 3) e não Jesus. E, era isso que me fervilhava na mente. “Ele não acusou logo não lhe poderia perdoar”. Então meu amigo me disse. – A questão é como tratar isso na igreja. Aí quem ficou sem saída fui eu. Mais tarde encontrei a resposta aos meus questionamentos.
Se lermos atentamente o texto veremos todo enredo que tantas pregações já nos revelaram:
1. O machismo: apedrejarem a mulher sem fazê-lo ao homem como determina Lv 20,10;
2. A tentação contra Jesus: tentar fazê-lo desobedecer a Lei (v. 8);
3. A hipocrisia pessoal: sendo eles pecadores julgavam-se melhor que a mulher (v. 9) etc.
Mas, o que me intrigava eram as atitudes de Jesus.
a. Ele não os chamou de hipócritas como em outras ocasiões;
b. Não citou a Lei. Por exemplo, poderia exigir também a morte do homem em questão;
c. Jesus sequer fixou os olhos neles como que os acusando. Não! Jesus simplesmente inclinou-se e pôs-se a escrever na areia.
E. era esta cena que justamente me atormentava: o silêncio, da voz e do olhar de Jesus. Por quê?
Dizem que Ele escrevia o pecado de cada um na areia. Pode ser. A mim parece mais que Jesus conseguiu que toda aquela grita “mata!”, “apedreja!”, “adúltera!” (penso eu) se tornasse no mais profundo silêncio da multidão. Gente ávida por sangue, sangue humano, sangue pecador, sangue de mulher.
A chave para entender o texto, a meu ver, está no verso 7.
“E, como insistissem, perguntando-lhe,” Eles insistiram. – agora totalmente atentos à resposta de Jesus. Insistiram porque matá-la traria alívio às suas próprias consciências aflitas corroídas pela dor, pela angústia e pela culpa. Eles insistiram porque não se suportavam mais, o remorso que os sufocava. Insistiram porque precisavam de perdão e, como não o encontrassem, resolveram imolar, na mulher, os seus próprios pecados.
Esses homens são como muitos de nós. Religiosos que desejam fazer tudo de correto e de bom diante do Senhor, mas que definham silenciosamente afligidos pela culpa. Gente que não suportam mais se olhar no espelho pela manhã porque sabe o quanto tem vivido uma vida dupla, uma vida de mentiras, uma vida de hipocrisias. Foi por isso, por causa dessa dor que literalmente os matava, que Jesus não revidou de modo algum. Nem com palavras nem com olhar.
Jesus sentiu a profunda angústia que cada um carregava e ofereceu alívio. Contudo, seria um ato de vontade pessoal. Isto é, cada qual precisaria se perdoar. “endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.” (v. 7b)
Não a segunda, a terceira ou a última, mas a primeira pedra era a chave para o autoperdão.
De modo terno e generoso voltou a se inclinar deixando-os sós a autoexaminar-se. Cada homem e sua consciência. Essa foi a razão pela qual eles foram saindo uma a um. A começar pelos mais velhos – sofridos a mais tempo. Jogavam no chão os fardos (as pedras) que carregavam em suas mãos (v. 9).
Não, na minha leitura, não era um confronto, mas um encontro entre o homem, sua consciência e a misericórdia de Deus. Esta não acusa, não julga ou promove a culpa. Antes quer perdoar a quem se arrepende, a quem se perdoa a, quem perdoa o seu próximo. É como se Jesus lhes tivesse dito: Não se matem de remorso, busquem o perdão de Deus para vocês porque a morte desta mulher não trará alívio às vossas almas.
É fato, esta misericórdia também alcançou a mulher, contudo penso nela como coadjuvante da história. Chegou “morta” e saiu viva. Machucada, mas viva. Por isso, Jesus avisou. Na próxima vez você pode morrer, então “vai-te, e não peques mais.” (v. 11).
Jesus não perdoou a mulher, perdoou antes e primeiramente aquelas pessoas doentes em suas almas. Pessoas religiosas e “cumpridoras” da Lei.
“... o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei.” (Gálatas 5,22-23)
Que cada um de nós possa encontrar o perdão de Deus para sua própria vida. Que vivamos na Sua graça e não sob a Sua na Lei.
Porque quando Jesus não perdoou ... ofereceu misericórdia! Isso é muito mais que o perdão, é infinitamente maior do que a culpa. A isso chamamos de graça divina.
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