Então bem no meio do jantar Ele fez algo diferente e tudo começava a se revelar. Tomando o pão em suas mãos deu graças e disse as mais estranhas palavras já ditas até então: “Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.” O que elas significavam? Olhavam-se atônitos sem que houvesse em nenhum deles coragem bastante para perguntar-lhe. Seu olhar era de profunda tristeza. Ficou a dúvida e o silêncio sepulcral.
Uma vez mais ele quebrou o protocolo. Tomando o cálice com vinho deu graças outra vez e disse: “Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós.” Essas palavras lhes calaram ainda mais fundo. O medo começava a tomar conta dos seus corações. Homens experimentados nos vários momentos vividos com Ele, o Mestre. Entreolhando-se perceberam que aquela noite, aquele jantar tinha algo de muito estranho, mesmo para eles.
Afinal, qual o sentido destas coisas?
Num terceiro ato o Mestre os surpreendeu mais uma vez. Tomou uma toalha e uma bacia e pôs-se a lavar-lhes os pés. Na verdade constrangeu-os a que lhes lavasse. Definitivamente o Mestre estava mais estranho e misterioso naquela noite e nada parecia fazer sentido.
O que sucedeu em seguida foi só suor, lágrimas, sangue e dor. Muita dor. Aquela noite, aquele jantar era uma despedida. Não o veriam novamente, pensavam consigo. O Mestre estava morto e tudo estava acabado. Esse era o sentimento dos que o conheciam e o amavam. Estavam literalmente quebrados, sem esperança ou orientação. “vou pescar”.
Certamente aqueles dias foram difíceis, dias de grande reflexão, dias de lágrimas. Tudo o que viram, ouviram e fizeram juntos; alegrias, tristezas e desavenças e tudo tão intenso não mais havia. Não o tinham mais por perto e nada mais fazia sentido. “vou pescar”.
Fico pensando no pesar daqueles homens com a perda de alguém tão especial como Jesus. Aquela noite nunca mais sairia das suas mentes. A noite em que se despediam de seu grande amigo sem saber.
Naquele caso uma grande alegria ainda os aguardava, Ele ressuscitaria. Mas na nossa vida nem sempre é assim. Um dia, uma noite, um momento, pode ser o último. Tantas palavras ditas, que não deveriam, outras não ditas, que deveriam. Tanta “força”, tanta necessidade de vencer, de chegar primeiro, de superar a si, de superar o outro. Isso tudo para quê? E se for essa a última vez? Se for o último encontro? Será que vale a pena? Talvez não haja outra chance de retornar, de pedir perdão, de despedir-se. Talvez as lembranças fiquem na memória para sempre daquele momento que não voltará nunca mais.
“Como as crianças hierosolimitanas contemporâneas de Jesus, preciso ser vulnerável. Abraçar minha fraqueza, finitude e fugacidade. Insignificar-me. Substituir autonomia por liberdade em uma temporária, e depois voluntária (mas sempre saudável e amorosa), dependência do Pai, que me alimenta, protege, cuida, ensina e acarinha.”*
* https://prazerdapalavra.com.br/criancas/3410--ser-como-uma-crianca-dercinei-figueiredo-.html